A Precariedade. Conversa em torno da realidade local.
Actualmente, cerca de 40% dos trabalhadores portugueses são precários. Recibos-verde, contratados a prazo, inscritos em empresas de trabalho temporário, desempregados. Todos eles trabalham, inclusive aqueles que têm o trabalho de ter de arranjar trabalho. Todos eles são particularmente explorados.
O aumento da precariedade laboral tende a ser legitimada por todo um novo discurso ideológico em torno da questão do trabalho. Entre os múltiplos conceitos desta novilíngua laboral, destacamos o de capital humano. Para o capitalismo, o trabalhador constitui essencialmente um capital que se apresenta numa forma humana. Por um lado, são as suas capacidades de criação e imaginação que alimentam a máquina de produção: algo que é visível no profissional de marketing que inventa slogans publicitários, no trabalhador do telemarketing que usa as suas capacidades de sedução e retórica para vender um qualquer produto, no pedinte que produz uma determinada narrativa de forma a obter esmola. Algo que sempre existiu, mas que tende cada vez mais a ser potencializado, não para o nosso próprio bem, mas para o bem de uns poucos.
Por outro lado, capital. Porque, tal como uma acção da bolsa de valores, tem um valor de mercado, atribuído consoante as suas características: se for inteligente e comunicativo terá um valor elevado, se for feio e tímido terá um valor não tão elevado. À semelhança das acções da bolsa, o seu valor sofre alterações: assim, se o trabalhador feio e tímido se tornar comunicativo e bonito, se demonstrar capacidade de se alterar com base nos critérios da empresa, o seu valor de mercado aumentará. Na era do capital humano, o trabalhador é apresentado como sendo o único responsável pela sua própria situação. Se ganha mal, é porque não se esforça; se se queixa de tal situação, é porque não é pró-activo (outros dos novos conceitos em voga); se se sente cansado, é porque poderia ser mais dinâmico. Em suma, é porque não se capitaliza a si mesmo, algo que passa por servir os responsáveis pela definição dos ditames da sua capitalização.
Esta estratégia acontece a uma escala planetária. No caso da região alentejana, a população trabalhadora apresenta um “valor específico”: vive numa região fustigada pelo desemprego e encontra-se disposta a fazer tudo por tudo para conseguir rendimento. Se actualmente, muitos call centers se deslocalizam para zonas do interior (Beja, Castelo Branco) onde as taxas de desemprego são mais elevadas, é porque sabem que vão encontrar pessoas com poucas alternativas de escolha.
O objectivo desta conversa é tentar compreender os contornos deste processo, tendo como princípio a ideia de que o verdadeiro valor das pessoas nunca passou, não passa e jamais passará pelo trabalho que são obrigadas a desempenhar.
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